Ler e escrever, em especial do jeito tradicional, são tarefas cognitivas
complexas: juntam “numa única orquestra de neurônios” ...áreas cerebrais de ação motora, da linguagem e do raciocínio.
"J.A Pinheiro Machado"
Não faltam alertas contra a devastação das florestas, a poluição, os automóveis
em excesso paralisando o trânsito, entre tantas desventuras. Acrescento pelo
menos três outros valores permanentes, infelizmente negligenciados pela pressa e
pela displicência destes tempos: o hábito da leitura, o ato de escrever a mão e
as refeições demoradas.
Sobram resenhas insossas com a tentativa inútil de
substituir, em 50 linhas, a aventura deslumbrante das 7177 páginas dos quatro
volumes encadernados em couro da obra de Proust na Bibliotèque de la Pléiade.
Entretanto, resumos pasteurizados são tão insuficientes quanto um sanduba
solitário, de pé, à beira de um balcão. Os vagares da leitura são inexcedíveis.
Hoje se sabe que, além do prazer que proporciona, ler é um valioso
esforço cerebral associado ao ato de escrever a mão. Pesquisas recentes sugerem
que ler e também escrever a mão são atividades que funcionam como vigorosos
exercícios de ginástica cerebral. E mais: quando as crianças, antes de
sucumbirem à digitação, aprendem primeiro a escrever à mão, elas não apenas são
alfabetizadas em menos tempo; também se mostram mais capazes de gerar ideias e
reter informações.
Os benefícios de escrever à mão transcendem a infância:
para os adultos, digitar por certo é mais rápido, mas pode reduzir a capacidade
de processar informações novas.
Ler e escrever, em especial do jeito
tradicional, são tarefas cognitivas complexas: juntam “numa única orquestra de
neurônios” – na elegante imagem de um especialista – áreas cerebrais de ação
motora, da linguagem e do raciocínio.
O outro item negligenciado nestes
ásperos tempos faz parte dos rituais mais antigos da humanidade: refeições em
grupos de amigos ou familiares, em horários certos. Os pequenos vínculos que
unem as famílias e a estabilidade dos lares são forjados à mesa. Por isso, há
quem diga que, do ponto de vista da unidade familiar, comer junto é mais
importante do que a fidelidade conjugal. Quem come acompanhado, conversando
animadamente com amigos e familiares, no mínimo tem que repartir o tempo entre a
comida e os convivas. Aquele que come sozinho, afora o desencanto, tem só o
prato de comida como companhia. Ou seja, jantares solitários, além de tudo,
engordam.